Desafio Escrever um Conto Novembro de 2010 www.portugalparanormal.com A Gruta dos Medos por Margarida É hoje! É hoje que vamos ter a nossa primeira experiencia como investigadores destemidos sem receios do que nos apareça pela frente. Já temos o local ideal, uma gruta junto ao mar, na falésia onde segundo consta a lenda era o locar onde outrora piratas se refugiavam e guardavam os seus segredos mais profundos. Também foi palco de muito mistério com os contrabandistas do tempo do antigo regime que além de guardarem as suas mercadorias viveram momentos de pânico sem que soubessem explicar o porquê. Não sabem o que viram, presenciaram, só sabem que fugiram em pânico total ao som de gritos que lhes trespassaram a alma. O meu tio foi um deles e embora tente contar o que se passou, perde-se a meio da história e começa a tremer e a suar, empalidecendo como se fosse perder os sentidos nessa mesma altura. Fartinhos de ouvir sempre a mesma coisa e sem conseguirmos chegar a qualquer conclusão resolvemos reunir um grupo de crentes, curiosos e cépticos e formámos a equipa dos “Ghost Adventurers” Pesquisámos durante dois anos matérias ligadas ao sobrenatural, ao paranormal, à psique e assim nos instruímos mentalmente para podermos passar à prática sem que fossemos às cegas ter com o desconhecido. Durante todo este espaço de tempo fomos adquirindo material essencial para nos apoiar em campo. Todos nós, religiosos ou não levávamos uma cruz feita de ramos de oliveira, um saquinho de linho virgem com sal grosso e uma garrafinha de água benta. Porquê? Não me perguntem! Perguntem ao nosso amigo padre José que também faz parte do nosso grupo. Na mochila personalizada com o logótipo da equipa ainda juntámos lanternas, máquinas de filmar, gravadores para EVP’s, sensores de movimentos, pilhas, facas de mato, um rolo de fita fluorescente com cinco metros, uma garrafa de água, umas sandes, very light’s, tudo para nos proteger também. O parvo do meu primo Daniel levou às escondidas uma tábua ouija, coisa que mais tarde viria a arrepender-se de ter sido tão incauto. E lá fomos nós ao encontro uns dos outros bem-dispostos, cheios de coragem, de peito inchado e muito convencidos que tínhamos tudo muito bem controlado. Até o padre José ia entretido com as nossas brincadeiras caminho fora, como se fosse um jovem igual a nós, desmiolados e aventureiros. Sem que déssemos conta parámos estáticos à boca da gruta, o silêncio de repente fez-se rei e reinou durante bastante tempo. Entrámos sem proferir palavra colando logo no inicio a fita fluorescente à parede da gruta à medida que nos íamos embrenhando por ela a dentro, não fosse o diabo tecê-las… Quinhentos metros à frente começámos a ouvir guinchos que nos arrepiou até os ossos e os sensores de movimento dispararam todos ao mesmo tempo. Começámos a sentir calafrios, o branco cal instalou-se nos nossos semblantes até que alguém disse: - Lembraram-se de trazer papel higiénico? É que acho que me vou borrar todo! Entre gargalhadas fomos disfarçando o medo e ganhando um pouco mais de adrenalina para nos fazer continuar em frente, determinados a desvendar de uma vez por todas os mistérios e lendas sobre a dita “Gruta dos Medos”. Ao fim de setecentos metros novos guinchos, não sabíamos identificar de que natureza eram, até podiam ser morcegos. Mais meia dúzia de passos e os guinchos começaram a soar a gritos, gritos de aflição atroz, como se uma mulher estivesse a ser torturada. Apesar de nos considerarmos gentes de bons fígados estes sons entravam pela nossa cabeça de tal forma que nos percorria o interior do corpo, revoltando-nos até às entranhas. Lá íamos nós pé-ante-pé, sustendo a respiração, olhando para todos os lados, assustados e até com medo do que a nossa própria visão nos pudesse mostrar. A situação era cada vez mais negra, à medida que nos aproximávamos das profundezas da gruta, a escuridão tornava-se impiedosamente mais tenebrosa, o silêncio era apenas interrompido pelo som dos nossos passos e para cúmulo dos cúmulos o padre José resolvera rezar umas quantas ladainhas enquanto andávamos ao encontro do que não sabíamos nem conhecíamos. Ao fim das ladainhas, Pais nossos, Avés Marias, Glórias e outras tantas rezas decoradas ao longo dos anos, o meu nervosismo não aguentou mais… Sentia a minha cabeça como se fosse uma caldeira a ferver, a ferver, a ferver, prestes a rebentar: - Chega! O Senhor padre se quiser continuar reze em pensamento e feche-me essa matraca que mais parece que está a rogar pragas em vez de pedir protecção. Coitado do padre José, devia ter-me esbofeteado mas não… calou-se entendendo o meu nervosismo que fez com que eu perdesse toda a razão e descarregasse toda a minha frustração em cima dele. Um dos nossos amigos devido aos apertos emocionais que tivemos durante todo o caminho, deu-lhe um outro aperto e pediu uma pequena pausa para aliviar a tripa antes que esta desse um nó. O pior de tudo é que a pequena pausa do nosso amigo transformar-se-ia em mais de hora e meia pois o pobre rapaz sofria horrores com hemorróidas, além de levar a coisa, o desperdício a sair devagarinho para não o ferir, o que é certo é que o magoava na mesma, enfim, “doía-lhe”, o que o fazia gemer e gritar ao mesmo tempo. O meu primo que já sabia que iríamos ter este atraso saca de dentro da sua mochila a tábua ouija e começa o jogo: - Está aqui alguém? - Sim… - É homem ou mulher? - Sou Lady Mary. - Lady Mary porque habita aqui? - Por vingança! - Que mal lhe fizeram? - Fui violentada, amarrada a grilhões e deixaram-me a morrer abandonada, à fome e comida por ratazanas… - Quem foi o responsável? - O mestre português e os seus lobos do mar… O padre José começou de novo a rezar, rezou a oração para encomendar a alma ao Senhor como se estivesse na presença de um defunto. Meu primo ficara curioso queria continuar o jogo mas o nosso amigo viera a correr assustadíssimo e ao tropeçar numa pedra salta para cima da tábua partindo-a em quatro. Sucedera algo de muito estranho, depois de ter aliviado a tripa ia preparar-se para tapar os restos supérfluos com terra e pedras, quando não foi o seu espanto verificou que tais despojos fétidos teriam fugido para parte incerta. As nossas gargalhadas foram interrompidas por novos gritos, gritos esses que faziam eco e nos apavoravam ainda mais, cada um de nós tinha agora o medo como companheiro inseparável, até o padre José já só mexia os lábios para as suas rezas pois a voz calara-se perante aquele som assustador e penetrante nos nossos cérebros. Ficámos na dúvida se havia-mos de continuar, mas as nossas pernas continuavam a andar em frente como se tivessem vontade própria guiando-nos ao incerto e mais profundamente na gruta dos medos. Agora compreendia o porquê de lhe chamarem assim. Ao fim de vinte e cinco metros de caminhada entre cheiros a enxofre e urinas que nos foram quase sufocando e revoltando as tripas, chegámos ao núcleo da Gruta dos Medos. Estava selada com redes e mais redes, bem que queríamos deitá-las abaixo mas tal tarefa demoraria uma eternidade, como tal limitámo-nos a espreitar por entre as redes de aço. Ao funda na parede os grilhões de outros tempos ainda sustentavam e prendiam um esqueleto humano cuja caveira rebolara para o chão e era habitáculo para um ninho de ratinhos. Ainda presos à caveira visualizávamos cabelos longos, o que nos levou a crer que estaríamos perante os restos mortais de Lady Mary. No meio da clareira da gruta estava um baú! Imaginámos que fosse o tesouro de algum pirata ou mesmo de um contrabandista ainda do tempo do meu tio. De repente o tampo começa a abrir-se lentamente revelando-nos uns olhos avermelhados. As nossas pernas começaram a bambolear, a ficarem flácidas como se fossem de gelatina e o coração caiu-nos à terra quando ouvimos um grito medonho atrás de nós. Voltámo-nos todos simultaneamente para vermos uma imagem transparente de uma mulher vestida de branco, cabelos longos e que nos trespassou a todos rumo ao esqueleto. Assim que olhámos novamente pelas redes a ratazana do tamanho de um lobo salta do baú e de um só pulo atira-se às redes onde nós nos encostámos para satisfazer toda a nossa curiosidade e estupidez. Os seus dentes pareciam presas infernais e os seus guinchos sons do outro mundo despertando todas as outras. Seguiu-se então uma imagem dantesca de tantas outras bichas do mesmo tamanho saltando, pulando, guinchando quase furando-nos os tímpanos, roubando-nos a razão e fazendo-nos correr dali para fora temendo pela nossa própria vida. Ao chegarmos à saída deparámo-nos com vários holofotes, homens com fatos de protecção radioactiva e um batalhão de militares de armas em punho. Escusado será dizer que até o padre José verteu águas pelas pernas abaixo… Depois de identificados, revistados e de nos levarem ao hospital local onde nos massacraram com testes atrás de testes, deixaram-nos em paz podendo cada um de nós voltar às suas casas. Quanto à Gruta dos Medos, foi encharcada com produtos químicos, selada e armadilhada com gradeamento eléctrico para que mais nenhuns otários aventureiros conseguissem lá enfiar o nariz. Tal como o meu tio, quis esquecer aquele dia, aquele local e cada vez que oiço falar ne “Gruta dos Medos”, até tremo! - FIM -