Desafio Escrever um Conto Novembro de 2010 www.portugalparanormal.com A Gruta dos Medos por AndreiaLi (conto vencedor) Decorria o mês de Fevereiro no momento. Um mês como todos os outros em todos os anos passados. Aurora tinha acabado de ter um jantar tranquilo com os seus irmãos. Algo que lhe parecia difícil de acontecer num futuro próximo, pois quase todos os dias se aborreciam uns com os outros: ” por pequenas razões sem razão” costumava pensar Aurora. O seu papel na família, era de mediadora. Aurora tentava constantemente e numa base quase diária apaziguar as vozes sonoras e vibrantes que se faziam sentir durante a hora de jantar. Concluía a sua missão sempre com sucesso, e como tal todos a escutavam. Nessa bela noite tranquila, Aurora foi-se deitar com uma sensação de paz presente na sua alma… uma sensação de plenitude e descontracção, por mais uma missão cumprida. Decidiu então abrir a janela do seu quarto. Observou a lua lá no alto. “Hoje está mesmo bela” pensou Aurora, e decidiu deitar-se na cama com a janela aberta. A sua cama estava mesmo em frente á janela, assim poderia adormecer olhando a lua, admirando a sua beleza magnética. Assim, adormeceu. Bem mais tarde, já de madrugada, Aurora acordou sobressaltada. A jovem rapariga olha á sua volta, e qual não é o seu espanto quando repara que não está no seu quarto, mas sim num local estranho, escuro e húmido que lhe parece uma gruta. “Oh mas… o que é isto? Onde estou?” diz Aurora em voz alta pondo-se de pé. “Uma gruta? Mas… como vim cá parar, o que aconteceu?”. A rapariga decide então andar pela gruta fora. No seu percurso, os seus olhos vão-se habituando á pouca luz existente no local e ela começa a observar os pormenores estranhos á sua volta. Plantas com olhos nascem das paredes. Olhos que parecem estar sempre focados nela, atentos como se a estivessem a vigiar, como câmaras de filmar. Aurora tenta não se assustar e continua a andar e a andar… a gruta é enorme. Ao fim de quase uma hora a caminhar, Aurora depara-se com um ogre encostado a uma das paredes da gruta. “Oh não. Mas que coisa é esta…? Nunca tinha visto algo assim… mas bom, não tenho outra alternativa a não ser tentar comunicar com ele”. O ogre cinzento encara Aurora com cara de poucos amigos perguntando-lhe: “Olha lá, o que estás aqui a fazer? Vieste em busca de perdição? Se sim, estás no sítio certo.” Aurora responde á criatura: “Não sei como vim aqui parar. Apenas quero sair daqui”. Ogre: Saír? Só há um sitio por onde podes sair, pela porta grande de troncos no fundo da gruta, lá á frente. Para trás não podes ir, aquilo está fora do teu domínio e eu tenho ordens específicas para não deixar passar nada para trás. Aurora: “Então, e posso ir para a porta de troncos?” Ogre: “Podes, e deves” diz o Ogre cinzento com um sorriso maléfico. Aurora fica desconfiada com as atitudes da criatura, mas uma vez que não lhe é permitido ir para mais nenhum local, decide sair pela porta de troncos, não sabendo as surpresas que a esperam. Aurora observa o novo mundo á sua frente. O ceú é vermelho, os pássaros no ceú voam de barriga para cima, não existe Lua, e não existe vegetação no seu raio de visão. Aurora continua a caminhar, caminha sem destino vagarosamente, caminha com medo no seu coração. Mais á frente observa uma casa. Aurora repara que é uma casa igual á sua, uma casa de campo grande. Decide então bater á porta. Aguarda, ninguém responde e volta a bater. Nisto, alguém lhe abre a porta. Era o seu irmão do meio, Joel. Aurora fica espantada com a situação e algo confusa. “Não entendo nada do que se passa aqui…” pensa. Entra na casa e repara que todas as cores estão invertidas. A parede está da cor do chão, o chão da cor da parede… tudo modificado. “Mas que raios… de coisa.. isto é mais que estranho”. E então senta-se na mesa juntos aos seus três irmãos que estão a jogar cartas. As próprias cartas têm as cores invertidas. “Os números estão ao contrário…” Aurora não consegue compreender porque tudo está diferente, e que sitio é aquele. Passado umas horas, Aurora começa a sentir-se “contagiada” pelo local, pelo ambiente envolvente. Quase como se estivesse sob efeito de drogas, a rapariga começa a adoptar uma postura mais descontraída, até algo diferente. Aurora começa a notar novos pensamentos a emergirem com frequência na sua mente. Pensamentos tenebrosos, pensamentos malignos que quase a dominam. De inicio, Aurora tenta combater aquela invasão á sua mente, mas mais tarde perde e funde-se no jogo, no ambiente e no discurso dos seus irmãos. A palavra “matar”, “morte” e a expressão: “acabar com tudo isto” ressoam no seu cérebro. Os irmãos falam em sacrifícios a demónios que realizaram ao longo da semana, com uma grande facilidade. Contam pormenores de rituais a Aurora, que estranhamente para ela parecem correctos e intensos. Aurora gosta do que está a ouvir e sorri. Os irmãos contam a Aurora que sacrificaram vizinhos seus em honra do Grande Demónio, torturando-os primeiro durante várias horas “para ser assim mais divertido”. E Aurora ri-se da situação. Aurora vai á casa de banho da casa com as cores invertidas e observa-se ao espelho. Repara que os seus olhos estão vermelhos, como se tivesse colocado lentes de contacto. Vermelho sangue, vermelho raiva. Apesar de tudo, ela não faz caso disso, já não se importa. Sente-se cheia de adrenalina e com vontade de “dar cabo de tudo”. “Vou fazer desaparecer estes idiotas que sempre me incomodaram. Hoje é o dia, e esta é a altura ideal para os eliminar de vez. Não vai ser por terem uma conversinha ou outra que me agrade que vou fraquejar. Já estabeleci o destino que lhes vou dar”. Assim, Aurora continuou ao longo da noite a manipular as conversas com os seus irmãos, mostrando-se divertida com todos os assuntos acerca dos quais eles colocavam questões. Discretamente, esperou até que fosse noite cerrada e todos os três estivessem a dormir. Dirigiu-se á cozinha, e abriu a gaveta. Retirou a maior e mais afiada faca que lá encontrou e agarrou-a com força. Foi ao quarto de cada um dos seus irmãos, deslocando-se silenciosamente de forma a que nenhum deles a pudesse ouvir e estragar o seu plano, e cortou a garganta a um de cada vez num só golpe. Suspirou de alivio após a sua tarefa. “Ahh… agora sim. Nunca mais irei ouvir estas vozes tresloucadas. Nem ao vivo, nem nas preocupações dos meus pensamentos!”. Ainda não satisfeita, Aurora carregou os cadáveres dos seus irmãos um a um (eram todos leves, e de estatura média, logo Aurora não teve muitas dificuldades em arrastá-los) sentando-os na mesa de jantar que todos costumavam partilhar. Riu-se e disse “ Vá, discutam agora! Tem a eternidade toda para isso, e eu não estarei cá para ver”. Apesar de tudo, Aurora achou que seria melhor voltar atrás e tentar convencer o ogre cinzento da gruta a deixa-la voltar de onde veio. Escondeu outra das facas da cozinha num dos bolsos do seu vestido verde, para precaução. Fez então todo o percurso de volta, e chegando de novo á gruta escura falou com o ogre cinzento, desta vez num tom autoritário: “Olha lá, eu quero voltar para de onde vim e é já. Não posso ficar mais aqui, este local teve uma influência errada em mim. Sei que apenas cá estive um dia, mas foi o suficiente para que tudo ficasse ao contrário”. O ogre cinzento olhou-a e troçando dela disse: “Sabes, a verdade é que quem entra nesta gruta dos medos consegue ver os seus desejos realizados. Mas não todos”. “Que desejos?” pergunta Aurora. “Desejos que se encontram encarcerados nas profundezas do ser. Nas raízes do seu inconsciente. E este Aurora, era o teu maior desejo. Calar os teus irmãos para sempre. O mundo que tu viste, era o mundo real. Não era um mundo á parte. Tiveste foi a oportunidade de o veres através dos olhos do teu inconsciente. Sim, eu sei de tudo pois fui eu que aqui te trouxe. Observei-te na escuridão durante imenso tempo. Percebi-te. Ouvi-te falar a criar monólogos fantasiosos. Conheci-te. E quis assim, ajudar-te a conceder o teu maior desejo e ao mesmo tempo concretizei o maior medo dos teus irmãos, ficar sem ti. Bem se pode dizer que agora não te podem ver mais ahahahahahahha”. Aurora grita horrorizada com o que tinha acabado de fazer. Tudo aquilo, tinha sido real, e agora não havia volta atrás. Num só segundo retira agilmente a faca enfiada no bolso do seu vestido verde e enterra-a no estômago do ogre com toda a sua força, para se vingar. O ogre cinzento, caíndo no chão negro da gruta murmura as suas últimas palavras: “A minha missão… está cumprida”. - FIM -