Desafio Escrever um Conto Março de 2010 www.portugalparanormal.com O Final dos Tempos (Conto Vencedor) por Margarida Olhei pela janela do meu quarto às escondidas da minha mãe, mas fui apanhado e em consequência levei um belo de um raspanete. Não me conformo! Por isso perguntei ainda que com maus modos… - Porque raios o sol é vermelho e a avó farta-se de contar que quando era criança ele era amarelo e saíam de casa sempre que lhes apetecia sem medo que lhes queimasse a pele? - Meu amor já te explicámos… antigamente o nosso planeta era lindo, havia flores de todas as cores, com vários perfumes, a água era límpida e cristalina e corria por riachos, havia peixes no mar e nos rios, as pessoas respiravam o ar sem problemas, mas… - Mas o que aconteceu? - Oh meu amor, as pessoas tornaram-se gananciosas, quanto mais tinham mais queriam e começaram a inventar novas coisas, mesmo que essas mesmas coisas viessem poluir a mãe natureza e o planeta que nos abriga. - Então foram egoístas? - Sim meu anjo, muito egoístas! - Então… eles é que fizeram asneira e nós é que estamos a pagar o que eles fizeram de mal? -Sim querido, a natureza apesar dos maus tratos, sempre ia sobrevivendo, renascendo, recompondo-se mas em vez de pararem para a deixarem descansar não… continuaram cada vez mais a abusarem dela até que ela perdeu todas as forças… - Assim como eu mãe? Que deixei de andar por causa da tareia do pai? Ou por causa do câncer que tenho nos pulmões? - As duas coisas filho… as duas coisas E a minha mãe saiu do meu quarto a chorar, senti-me culpado por a ter deixado tão triste. Ela não merecia, esteve sempre comigo, trata de mim com todo o carinho e eu só a faço chorar. Por minha causa expulsou o meu pai de casa, mata-se a trabalhar e eu pago-lhe assim? Devo mesmo merecer todo este sofrimento, ela é um anjo e eu, um monstro. Já escureceu, deve chover não tarda… coitada da minha mãe sem ajuda de ninguém já deve estar a apanhar a roupa e a tirar as coisas do quintal para que não fiquem destruídas. Não tarda muito, teremos de substituir o chão do quintal pois mais umas chuvadas e o ácido das chuvas queimarão de vez o resto que ainda se poderá chamar de chão. Estou tão cansado, o ar parece tão pesado, preciso da minha máscara, mas a bilha do oxigénio está quase no fim, não posso gastar tudo de uma vez. É tão caro esta coisa do oxigénio, difícil de encontrar e a minha mãe não pode ir à chuva encomendar outra, até mesmo porque de momento estamos com falta de bens e dinheiro. A minha avó também precisa de água pura para poder curar a infecção urinária que apanhou por beber água da torneira, tantas vezes que lhe disseram para não o fazer pois as águas estão contaminadas, mas para não ter de ir lá ao outro lado da cidade ao armazém onde é o único que tem esse tesouro, começou a beber a água da torneira. Teimosa! Eu disse-lhe que ia poupar no oxigénio, para poder ter as duas coisas ao mesmo tempo e assim mais ninguém ficaria doente além de mim. Será que quando chegar ao final dos tempos, viajar para o dito paraíso terei toda a beleza e coisas lindas que a avó fala? O sol amarelo, o céu azul, o mar verde, as árvores, o que eu dava para poder ver uma árvore de perto, assim ao vivo, perto de mim para lhe tocar, poder ficar na sua sombra abrigando-me dos raios do sol… Já não posso ouvir mais a avó a gritar com dores cada vez que vai à casa de banho, a culpa é minha, devia ter morrido quando o meu pai me bateu, ele nunca me quis! Sou um empecilho à felicidade da minha mãe, não sei como ela suporta olhar para mim, também eu sou baço, sem brilho, cinzento, sem cor para a alegrar, careca e feio sem poder ser agradável aos olhos dela, alem de ser um peso morto, ainda a faço chorar. Lá vem o mau cheiro da chuva, parece que nos deixa as narinas em carne viva, ardem, que inferno! - Filho, meu amor tens de comer! Hoje tenho bolachas e biscoitos com chá, vais fazer um esforço e comer… - Mas mãe, seja o que for o sabor é sempre o mesmo, fico enjoado só de olhar para a cor da comida, sempre com cor de cimento… Porque é que não podemos comer aquelas coisas que vimos naquele livro que me mostraste mãe? - Filho aquelas coisas não existem mais! E mesmo assim teres esta que mesmo sabendo a plástico, vai havendo no mercado já é muito bom. Faz uma coisa, vamos inventar um jogo está bem? Dás uma dentada, e imaginas que estás a comer uma cenoura tenra e fresquinha, depois dás outra dentada e vai saber-te a alface e depois as outras dentadas dizes tu a que sabem… podes fazer isso à mãe? Coitada, como é que ela ainda tinha coragem de inventar estas coisas? Não entendo porque se dá ao trabalho, toda a gente sabe que andamos todos a morrer lentamente, não tardará o planeta ficará atrofiado de veneno, encolherá e apodrecerá ditando de uma vez por todas o final dos tempos para toda a espécie humana. Mas não a posso fazer sofrer, não a posso fazer chorar e terei de entrar na brincadeira dela, pelo menos tenho obrigação de lhe dar uma pontinha, uma réstia de felicidade. - Tens razão mãe… hum sabe tão bem, é sumarenta e tem uma cor linda alaranjada, dá-me um bocadinho de alface, é bem fresca, e estaladiça nas pontas… que tens mais? É peixe cozido com batatinhas…? Hum, com azeite! E a água? Que boa mãe… E ela sorria, deliciada como se eu lhe estivesse a dar uma jóia preciosa. Vejo o seu sorriso iluminado, os seus olhos brilham como as estrelas que vi no documentário que ela guardou há tempos para que eu pudesse perceber o que foi a vida neste planeta. Oh não… estou a tossir que nem um louco, sinto e vejo o sangue que saltou para o casaco do meu pijama, dizem que o sangue era vermelho, mas o meu é um castanho medonho. Já não sei bem o que são as cores, é tudo tão macilento, tudo já tão sem vida que o que peço mais a Deus é que me leve de uma vez e deixe que a minha mãe viva em paz e sossego. Se me for permitido gostaria de a observar lá do alto, protege-la, e quando estivesse a dormir invadir-lhe a alma confortando-a e dando-lhe a energia branca e doirada que a luz do poder concebe para fortalecer o interior da sua essência. Como a humanidade é inglória… tanto quiseram aperfeiçoar tudo às suas necessidades e caprichos, que conseguiram a proeza de arruinarem e condenarem à morte um planeta inteirinho. Tanta lata velha colocaram a rodar na atmosfera que não se deram conta que colocavam a Terra a pouca distância do sol. As temperaturas subiram vertiginosamente, a atmosfera foi enfraquecendo, a vida mais sensível morrendo e nós os seres racionais, os seres de capacidades mentais inteligentes, tivemos inteligência mais que suficiente para acabar com a existência de quase tudo, até da nossa própria vida que se vai lentamente aos poucos degradando dolorosamente. Estou cansado, quero dormir… deixem-me dormir! Oh Deus! Oh meu Deus, onde é que eu estou? Avô… Avô estás aqui, quer dizer que eu… deixei a mãe triste. Minha pobre mãe, o que vale é que a desgostei pela última vez! Então este é o Paraíso? Ena! Que bonito… é o quê? Este é o planeta em que vivi? Com tanta cor alegre e bonita? Que maravilha! Posso trazer a mãe e a avó para cá? Sim avô vamos ver tudo, quero ver uma árvore de perto, e um rio, e um mar, e as flores, e os passarinhos, todos os animais… Oh avô, mas… sinto-me diferente, já não tenho tosse, não me dói o peito e tenho cabelos castanhos que brilham ao sol… Ai o sol, que quentinho, não queima a minha pele, ah a minha pele está tão rosada e macia, ai avô ainda nem acredito que tudo isto seja real, parece um sonho… Mas diz-me avô, aqui não há poluição? Não há lixo? O quê? Não precisamos de comer? Não matamos as plantas nem os animais para os comermos? Uhauuuuuu. Quer dizer que este planeta nunca morrerá? Que fixe!!! Posso ver a mãe? Olha lá está ela… quero fazer-lhe uma festinha, não quero que fique triste por mim, eu estou tão bem, quero que ela me veja assim forte, a andar com as minhas pernas… Só em sonhos? Mas posso visita-la em sonhos? Sim já percebi avô, ela não pode perceber que eu estou lá e não posso fazer nada para a assustar. Avô, estou feliz! Pena que as minhas duas mulheres não me possam ver, coitadas já era tempo de se juntarem a mim, descansarem e desfrutarem deste mundo mágico sem terem de presenciar o final dos tempos que se avizinha e arrasará sem dó nem piedade esse ponto no universo a quem um dia chamaram de terra. É uma tristeza, ver como o planeta súplica por socorro, como se manifesta nas suas angústias tremendo aqui e ali, explodindo e abrindo feridas por derrama o seu sangue. As montanhas morrem em lava e desmoronamentos desenfreados de avalanches de lixo podre ceifando tudo o que lhe aparece pela frente. As águas varrem e invadem terrenos que outrora eram chão firme e se tornam pantanais de areias movediças engolindo tudo o que cai na sua desgraça. Ai mãe, mãe, não quero que morras assim… Estás cada vez mais magra e fraca, pareces enlouquecer, a comida já quase não existe e a fome faz-te devorar tudo o que possas digerir, meu Deus pareces ensandecida, selvagem, como nunca te tinha conhecido assim. Trazes nos olhos a visão de tantas mães angustiadas com a perda dos seus filhos jaz famintos e moribundos das infecções que lhes foram transmitidas até pelo que respiravam. No teu corpo transportas as feridas que te infligiram ao tentar sacar-te o pouco que tinhas. Meu Deus porquê? Porquê? Sei que o Homem tem de pagar pelo mal que fez, mas a minha mãe… que mal fez ela? Quero-a aqui! Como é que é possível todo este horror? Tudo arde, o céu lá em baixo está vermelho coberto de relâmpagos que fulminam qualquer coisa que encontre ao alcance, quando as nuvens de um cinzento enxofre baixam a pressão que emitem é tal e qual um microondas silencioso mas devastador. Há fogos por todos os lados, um cheiro a carne carbonizada nauseabundo, fumo… tanto fumo cegando os poucos sobreviventes que por ali vão penando como almas perdidas num sofrimento atroz. Ai mãe, mãe porque resistes? Deixa-te levar, eleva o teu espírito e vem até mim, não sofras mãe, não precisas viver neste inferno. Avó, chegaste! Como estás bonita, rejuvenescida… já não me lembrava de ti assim. Neste percurso desde que cheguei muita coisa tive de aprender e apesar de reinar a felicidade neste paraíso, não me conformo com o sofrimento de minha mãe. Sei que já existe outro planeta em paralelo com a nossa terra que não tardará explodirá e desaparecerá do nosso conhecimento. No mundo celestial nada pára, se chega o final dos tempos para uns, logo aparecerá o início para outros e ao longo do percurso também terá um término e outro renascerá. Estou curioso com o paralelo, como será? Que aspecto teremos? Uma coisa é certa, não será perfeito! Da mesma forma que seremos iluminados a povoar e desenvolver o novo planeta, também todos os outros anjos caídos se libertarão para nos confrontar, dificultar a estadia e um dia terminarmos todos do mesmo modo como este presente. Ao voltarmos a uma nova vida, não nos lembraremos da passada, teremos de melhorar o nosso íntimo até chegarmos à perfeição. Até lá, quantos mais finais teremos de presenciar? Será sempre assim o nosso destino? Tal como antes, quando estava doente, sempre acreditei em dias melhores, na cura dos meus ais até não sofrer mais, assim também acredito que apesar de viver tantos finais, o verdadeiro, o maravilhoso final dos tempos, será quando me elevar a espírito abençoado e celestial onde jamais existirá um tempo e muito menos o seu final! - FIM -