Desafio Escrever um Conto Junho de 2010 www.portugalparanormal.com A 3ª Guerra Mundial por Moon* Somos poucos os que sobreviveram a todos aqueles dias fatídicos. Ainda consigo recordar quando discutia com a minha mulher… fui estúpido. Era naqueles momentos que era feliz, não compreendo como desperdicei todos aqueles preciosos instantes com ela com chatices e discussões. Recordo-me ainda quando de manhã tínhamos o hábito de fazer o pequeno-almoço juntos e ela, sempre sorridente, olhava-me com aqueles profundos olhos negros quando eu colocava manteiga dos dois lados das torradas e dizia-me “tu não tens jeito”. Querida, quem me dera ainda hoje não ter esse “jeito” e estares ao meu lado... Nas noites quando chegávamos já tarde do trabalho tínhamos sempre o hábito do primeiro a chegar começava a fazer o jantar. Tenho pena de não ter chegado mais cedo a casa se eu soubesse de tudo o que sei agora. As planícies eram verdes, as árvores ainda mostravam todo o seu esplendor enquadradas na harmonia da natureza. As flores frágeis e fugazes nasciam ao seu ritmo sem se preocuparem com o mundo ao seu redor. Os animais viviam, uns para serem mortos outros sempre livres. O Mundo mesmo que não estivesse bem era o paraíso em comparação a este actual inferno. Tudo começou de forma tão lenta mas ao mesmo tempo tão rápida. Estávamos nós naquele mês de Março, o dia amanheceu com um brilho pelicular depois de dias e dias em que só chovia. O céu estava límpido, deitei-te um beijo na testa e tu acordaste. Era Domingo, ainda me lembro, nesse dia quis fazer-te uma surpresa, fomos dar um passeio à beira mar e ia-te levar a almoçar fora. O frio reconfortava a alma porque tu aquecias o meu coração. Subitamente ouvimos uma grande explosão, o estrondo era tão grande que só conseguíamos olhar nos olhos um do outro mas rapidamente corremos para o carro. Nunca ouvi estrondo de tamanha natureza. Chegamos a casa, ligámos a televisão, e não poderíamos acreditar naquilo que os nossos olhos estavam a ver. Vários países europeus tinham sido atingidos. Nunca soubemos ao certo se foram todos, mas as informações que chegavam eram tantas, a brutalidade daqueles mísseis era tão chocante e vasta que até hoje não consigo descrever. Mas o pior veio a seguir. A incerteza de que país ou países lançaram tais mísseis fez com que os Estados Unidos da América lançassem alguns no Médio Oriente, alegando que investigavam um esquema de um possível atentado a vários países da Europa. O Médio Oriente não gostou e foram vários os países que atacaram os Estados Unidos da América. O Mundo começou a entrar num caos profundo. Os preços do petróleo subiram em flecha, a electricidade em 95% da Europa foi cortada, a população entrou em pânico total, os hospitais estavam entulhados em todos os países atingidos na Europa. Muitas pessoas morreram no momento, outras quando aguardavam a chegada de ajuda, crianças choravam soterradas nos destroços, a dor era gritante de tudo o que estava a passar. Poucos foram os que se voluntariaram para ajudar na procura de sobreviventes, ou porque tinham medo de novos ataques aos mesmos sítios e de morrerem, outros porque queriam era encontrar abrigos para a sua família, outros porque entraram em pânico e em choque, outros porque quiseram rapidamente juntar alimentos e água para irem para abrigos, casas pessoais ou até mesmo sairem do país. A quantidade de possibilidades escasseia-me, mas aqueles momentos não. Todos estes momentos de horror nas várias capitais dos países voltaram a acontecer quando então os Estados Unidos da América bombardearam dois dias depois os vários países do Médio Oriente. Na hora estes últimos reuniram e atacaram passadas 2 horas os Estados Unidos da América. O caos e o pânico alastrou-se para fora da Europa, o berço da humanidade. Rapidamente todos os países reuniram os seus homens para formarem um exército, os rumores começaram a circular pelo Mundo de quem é que seria o causador inicial. Ninguém confiava em ninguém todos os países tinham potenciais suspeitos ou por razões políticas, ou por razões económicas. Cada exercito teve a sua linha de ataque, a sua própria estratégia. Uns começaram a contaminar a água, outros invadiam outros países e os membros do governo foram raptados, levados para os países desses exércitos e colocados como reféns até o país causador ou vários países admitissem os seus actos. Já outros países selaram as fronteiras com outros países, outros atacaram com substâncias nocivas via aérea, já alguns quiseram enviar bombas para embaixadas de outros países no seu próprio país… Até hoje não sei, nem acho que ninguém sabe o que aconteceu verdadeiramente em cada país. Várias coisas sabemos que são verdade mas os países negam pela sua necessidade de reputação. Quando algo começa desta forma, o efeito de ricochete associada a uma gigante bola de neve começam a dar os primeiros passos para um caos de atitudes impulsionadas pela incerteza do quê e de quem. Quando estávamos a ver televisão quando tudo tinha começado, a electricidade foi cortada entraste em pânico. Recordo-me que te abracei e disse “Estarei sempre aqui contigo.”. Sentaste-te no sofá e contaste-me que iria ser pai, estavas grávida de dois meses. Chorei de felicidade e ao mesmo tempo de tristeza de pensar que o nosso filho viria a este mundo numa altura destas. Abracei-te e tantas foram as emoções que não consegui descreve-las só consigo reviver na minha mente esses sentimentos. Fizemos as malas, juntámos todos os alimentos, água e tudo o que tínhamos de útil e fomos para a casa da tua mãe. Na viagem vimos rastos de destruição, pessoas pedindo ajuda, uns quantos a assaltarem as casas com pistolas e caçadeiras de cano serrado e famílias a implorarem para não os matarem. Tentamos ir o mais rápido possível para a casa da tua mãe mas ainda demorámos umas 5 horas. Chegámos mas rapidamente partimos. Pessoas andavam a assaltar as casas, gangs organizados naquela desorganização caótica. Falámos com a tua mãe e fomos buscar as coisas ao carro quando íamos entrar pela porta das traseiras alguém tinha já entrado em casa, ouvimos gritos da tua mãe, começaste a chorar quando viste que eles iam matá-la, quando te ouviram a chorar e a gritar apontaram uma arma a cabeça e mataram-na sem demonstrarem compaixão pela vida humana. Peguei rapidamente em ti e fomos novamente para o carro, arrancámos em grande velocidade, o Mundo já não é seguro. Voltámos novamente para casa, tivemos que ter cuidado à noite na estrada, demorámos mais de 8 horas. Permanecemos durante duas semanas em casa, ouvíamos pelo rádio a pilhas as informações que tínhamos. Começávamos a não ter muitos alimentos, quando um amigo meu foi ter a nossa casa, disse que tinham encontrado abrigo num bunker construído na 2ªGuerra Mundial e deixado ao abandono. Tinha conseguido reunir água potável, vários mantimentos que bem geridos davam para 4 meses. E, assim, lá ficámos quando via o nosso filho crescer na tua barriga. Em todos os momentos naqueles quatro meses ouvíamos na rádio o noticiário, o Mundo ainda estava caótico, os confrontos já tinham aparentemente cessado, mas os problemas cada vez eram piores. Fome, escassez de água, falta de saneamento básico, cadáveres ainda na rua em decomposição avançada, pessoas que lutavam com outras pela Vida em que quem ganhasse seria aquele que mataria e comeria o outro, nenhumas condições nos hospitais, falta de medicamentos, mercado negro de órgãos e de crianças, mulheres e crianças violadas, mulheres e homens que vendiam o seu corpo por dinheiro ou algo que os pudesse dar melhores condições de vida. Ainda quando me lembro de tudo isto sinto-me enjoado e as imagens passam a mil à hora na minha cabeça. Como é que o Mundo voltou a ser tão primitivo? Começaste a sentir dores fortes na barriga, as vezes perdias sangue, por isso não hesitei, desculpa, peguei em ti e fui para o hospital. Demorámos a lá chegar tínhamos ido por um atalho que poucos conheciam e que seria mais seguro, pois à noite pelo outro caminho tornar-se-ia muito arriscado. Chegámos, as paredes do hospital e o chão estavam todas cobertas de sangue seco, o cheiro era intenso. Tentámos encontrar a tua médica mas soubemos que se tinha suicidado depois de ter perdido um de vários doentes no bloco operatório, não conseguiu aguentar toda aquela pressão, escreveu um bilhete para a sua família dizendo que os amava muito e agarrou numa das pistolas deixadas no hospital e deu um tiro na cabeça mas ainda ficou em coma durante alguns dias e só depois é que faleceu. Um médico conseguiu examinar-te, conseguiu ver o nosso filho. “É uma menina, parabéns.”, dizia ele quando nem imaginava que seria um dos últimos dias felizes ao teu lado. Saímos e pela primeira vez em quatro meses, regressámos a casa, tinham-na assaltado, nada praticamente restava. Consegui encontrar alguma água potável e uma abóbora. Passados dois dias começaste a ficar cada vez mais pálida, não tinhas forças para te levantares, vi que algo não estava bem contigo, como eu gostaria que tudo fosse como era antes… Chegámos ao hospital, rapidamente conseguiste ser atendida tiveste que fazer uma cesariana, as dores eram muitas não havia anestesia mas sempre tive ao teu lado amor. Quando a bebé saiu de ti lembro-me tão bem, levantaste a tua cabeça olhaste para ela sorrias e choravas de felicidade, olhaste para mim e por um segundo partilhei a tua alegria mas no segundo depois bateste com a cabeça na maca brutalmente e os médicos mediam a tua pulsação tentaram-te reanimar e ao mesmo tempo estancar o sangue da cesariana mas era tarde, e acabei por te perder. Nesse minuto quis também ir contigo mas a dor ainda não tinha terminado. O médico veio ter comigo e disse que a bebé não iria sobreviver por muito tempo. Não havia incubadoras para bebés prematuros, não havia outras mulheres actualmente no hospital que amamentassem, o bebé estava com problemas cardíacos pelo pouco desenvolvimento e má nutrição que tinha, era mais frágil que outros bebés prematuros, e o médico só lhe dava algumas horas de vida. Segurei-a no meu colo e fui para o pé de ti abracei-te com ela no meu colo e ao mesmo tempo no teu e desejei que tudo isto não estivesse a acontecer. Foram escassas e ao mesmo tempo longas as horas que estive ao teu lado, nem tínhamos pensado o nome que te iríamos dar. Mesmo sem nome naquelas curtas horas que estiveste viva ao meu lado e ao mesmo tempo ao lado da tua mãe mesmo que por segundos, tentei aproveitar ao máximo. Morreste tranquila à minha beira, estavas a dormir. Deitei-te um beijo envolvido em lágrimas e na dor que sentia por ter perdido as duas mulheres da minha vida. Coloquei-te junto da tua mãe que por momentos parecia que sorria em sentir que estavas ao pé dela, mesmo que ambas já não estivessem neste mundo. Sai do hospital, andei pela cidade sem rumo nem direcção sentia-me perdido não sabia o que pensar, o que achar mas a dor invadia o meu coração e consumia qualquer vontade de reacção que pudesse vir a ter. Por instantes vi todos na rua a correrem e não sabia o porque, um míssil ia embater ali perto, afinal a guerra ainda continuava mesmo que já estando quase a terminar. Lembro-me de ouvir um estrondo e, uma enorme chapa de zinco vir na minha direcção sentindo todo o embate. Quando acordei já estava aqui, deitado numa maca, imóvel, sentindo que a morte está perto e que nunca pensei que a minha vida, a nossa vida fosse assim. Querida, amo-te tanto sempre te amei e agora que irei para bem perto de ti e da nossa filha podemos voltar a ser felizes juntos. Nunca pensei que o ser Humano fosse capaz de voltar a cometer as atrocidades que fez no passado. Não compreendo este Mundo, nunca compreendi, a ganância, o poder e o dinheiro enlouquecem os homens, esquecem-se da sua verdadeira missão, mas não serei já eu a dizer-lhes algo, talvez os poucos que restaram e os que ainda sobreviverem nesta guerra que ainda não tem fim. 12 de Julho de 2037 - FIM -