Desafio Escrever um Conto Julho de 2010 www.portugalparanormal.com Governei o Planeta Terra por 30 Dias por Nightshade (conto vencedor) «O Preço dos Desejos» Aqui estou eu, remoendo com uma mágoa dolorosa, lambendo as minhas feridas, feridas essas que foram causadas por mim próprio, mesmo que indirectamente.Aprendi da pior forma o mal que podemos causar ao termos tudo o que desejarmos, ou mesmo uma pequena parte. Já o velho ditado «tem cuidado com o que desejas» é suficientemente esclarecedor. Olho para o céu sentado na minha cadeira de baloiço como um trapo velho, contemplando a fúria dos céus, rebentando em relâmpagos que iluminam este anoitecer como se fosse em pleno dia. A tempestade que eclodiu há pouco pode não ter sido causada por mim, mas bem que o poderia. Inspiro com uma intensidade desnecessária, como se o ar fosse demasiado espesso para os meus pulmões. O peso da culpa é demasiado grande, um fardo que não desejo a ninguém. Sinto-me tão velho, cansado, com o espírito tão apodrecido e enrugado quanto o meu corpo decadente. Já cheiro a bolor e a mofo, uma carcaça andante. Se pudesse realizar mais algum desejo, seria sem dúvida regressar atrás no tempo, se bem que tudo o que fiz de mal não seria simplesmente apagado, apenas oculto pela camada do tempo. -Pai, perdoa-me. Não sabia o que fazia! Ainda lembro-me claramente daquela época em que não passava de uma sombra, de um cordeiro exposto a uma matilha de lobos esfomeados. Era tão pequeno, tão inocente e franzino. Quem para mim olhasse chegaria facilmente à conclusão de que uma brisa mais forte facilmente arrastar-me-ia como se não pasasse de uma folha varrida pelo vento. Eu era um escravo, um bode expiatório, um fardo, segundo Doug, o meu por-assim-dizer padrasto, não se cansava de lembrar-me. Apesar de ser tudo o que ele dizia, era também e inclusive, um sonhador. Trabalhava arduamente num reino onde as coisas indesejadas e rejeitadas eram sepultadas sem sequer terem direito a uma sepultura. Se tivesse sorte poderia encontrar tesouros esquecidos e até comida ainda suficiente comestível. Ao nascer do sol Doug abria a porta do minúsculo sótão onde dormia e atirava-me a sua bota malcheirosa e enlameada à cabeça, acertando sempre num sítio estratégico. -Acorda, meu verme preguiçoso. Hora de chafurdares na lama! Enquanto ele tomava o pequeno-almoço na mesa poeirenta da cozinha e via televisão com o volume muito baixo (o homem era surdo como uma porta), eu comia no alpendre com uma tigela de plástico cheia de leite com cereais demasiado moles. Doug não gostava que eu estivesse muito perto dele, pois dizia que eu irritava-o e acabava sempre por bater-me invariavelmente. Ele irritava-se comigo porque eu era fraco e não o enfrentava. Após o parco pequeno-almoço, Doug levava-me na carrinha ferrugenta, sentado nas traseiras entre sacos de lixo e cordas sujas, esquecendo-se que eu estava ali, tão real quanto ele. Enquanto assobiava uma música desafinada e antiquada, fazia o que mais gostava enquanto a viagem de cerca de meia hora decorria: sonhava. Não eram apenas pensamentos, era algo mais consistente e palpável, possível após anos de treino intensivo. Enquanto a luz do amanhecer banhava tudo em redor, deixava o sol aquecer-me as costas doridas e fechava os olhos por momentos, vendo o mundo em redor de forma completamente diferente após voltar a abri-los. À minha volta encontrava-se uma multidão de pessoas belas e de várias idades, olhando-me com adoração, muitas delas chorando. Eu já não era uma criança franzina e corcuvada, era um formoso macebo envergando ricas vestes e acenando à multidão em êxtase, do alto de um carro alegórico enfeitado com veludos e pedras preciosas. Uns atiravam-me lenços de seda fina, outros pétalas de rosas brancas. Tudo era suportável quando a minha imaginação era desencadeada. Ao chegar ao destino pretendido, apeava-me da carrinha e afastava-me rapidamente de Doug, não fosse ele lembrar-se de mim e inventar algo extremamente indigno para eu fazer. Uma forma de evitar com que mais situações dessas acontecessem, era ir explorar os domínios o mais longe possível do alcance da sua visão, onde poderia trabalhar em paz. Apesar de todos os dias encontrar coisas diferentes e invulgares, tornava-se maçador separar objectos que poderiam ter alguma utilidade. Por vezes encontrava próteses de borracha, dentaduras postiças, roupa interior ou até perucas de cores exuberantes. Acabara de deitar fora uma boneca careca e de pano apodrecido quando algo pareceu brilhar sob a luz do sol ferrugento, a qual era demasiado mortiça para iluminar os recantos mais húmidos e obscuros. Aquele brilho parecia demasiado intenso para algo de tão reduzida dimensão, despertando a minha curiosidade, Evitando fazer algum movimento brusco, estiquei o pescoço para localizar Doug, o qual encontrava-se a raspar lama de algo enquanto coçava freneticamente o traseiro. Lancei-me logo ao objecto desconhecido, encontrando um objecto prateado e curvo, assemelhando-se ao pedaço de um anel. O resto parecia encontrar-se soterrado entre todo aquele lixo. Atirei para o chão o que se encontrava em volta, mas não conseguia puxar o objecto para fora e continuei a escavar no monte de detritos. A dada altura, quando parecia estar a conseguir, ouvi uma espécie de rugido baixo e uma montanha de lixo desabou-me em cima, soltando pó e terra em todas as direcções. - O que andas tu a fazer, meu porco desgraçado? - ouvi Doug gritar ao longe. Cuspi a terra que entrara na minha boca e respirei fundo até recuperar o fôlego. - Não é nada. Foi só umas coisas que caíram-me em cima! - retorqui. - Ah. Era bem feito se morresses soterrado debaixo desse lixo todo, seu ~porcarias~ desajeitado. Quando consegui livrar-me de todo aquele entulho, olhei em volta e não consegui discernir o que procurava, visto a paisagem ter-se alterado com a derrocada. Queria tanto saber o que seria aquela coisa brilhante. Com o tempo aprendi a descobrir coisas maravilhosas por puro instinto e desta vez voltei a pressentir que encontrara algo digno de ser contemplado. O ar vibrava de expectativa, aguardando a minha descoberta. Algures algo parecia chamar-me, seduzir-me aliciar-me. Contudo, para minha grande frustração, o que procurava parecia insistir em ser ocultado, como se tivesse vontade própria. Ao sacudir a poeira e sujidade da minha roupa e do meu torso, senti algo apertar ligeiramente o meu dedo. Ergui a minha mão esquerda e lá estava ele. Com um riso aparvalhado de alegria e alívio, contemplei o anel que cintilava com um brilho baço no meu dedo. O meu dedo era torto e nodoso como um galho estreito, mas ostentava aquele anel maravilhoso. Era de um metal prateado, cujo material desconhecia e bastante duro. Quis retirá-lo para trincá-lo e verificar se seria tão duro quanto parecia. Puxei o anel para retirá-lo do meu dedo, mas ele não era movido nem um milímetro. Fiz força até o meu dedo ficar vermelho e inchado, mas a porcaria do anel não saía do meu dedo. Muito pelo contrário. Parecia apertar-se ainda mais, como um torno. Bolas, queria tanto aquele anel mas não a ponto de o ter colado ao meu pobre dedo! Bem, pelo menos Doug poderia tentar tirar-mo sem sucesso, a menos que cortasse o meu dedo. Só esperava fervorosamente que ele não o fizesse, pois o homem era capaz de tudo pela ganância. Encontrava-me tão absorto a contemplar o meu tesouro recém encontrando que nem dei pela presença de Doug atrás de mim. - O que andas a esconder de mim, seu malandro? - interpelou-me, esticando o pescoço de modo a tentar vislumbrar o que tentava esconder, evitando tocar-me. Doug raramente tocava-me, mesmo quando me batia. Escondi o braço atrás das costas mas ele não desistiu até que lhe mostrasse o que tinha encontrando. Com o corpo a tremer e temendo que ele tentasse mesmo cortar o meu dedo ao descobrir o que escondia, mostrei-lhe o anel e o rosto do homem distorceu-se num sorriso de cruel prazer sardónico. «Por favor, que ele não tente tirar-me o anel. Por favor», implorei eu a todos os deuses existentes e inexistentes.- - Deixa-me ver o que é isso... - começou Doug a dizer mas subitamente foi detido por algo, como se alguma voz inaudível tivesse ordenado que se calasse. O seu rosto ficou estranhamente dócil e, para meu espanto, o tipo caíu de joelhos, mantendo o olhar no chão poeirento. Descansa que não quero tirar-te o que é teu por direito. Perdoa-me se te assustei - disse num tom reverente e grave, não daquele modo esganiçado que utilizava para abordar-me. Fitei-o boquiaberto, incapaz de articular uma palavra, um corpo pequeno e franzino numa situação claramente dominante sobre um homem corpulento e musculado, apesar de possuir algum excesso de peso. Algo estava a passar-se, algo terrivelmente estranho. Pela primeira vez acreditei que algo ou alguém intercedia por mim nesta vida miserável. Olhei o anel e constatei que parecia encontrar-se mais novo e ligeiramente mais cintilante que da primeira vez que o vi. Que curioso. Temendo que Doug pudesse estar a brincar comigo de forma cruel, ordenei-lhe num tom mais semelhante a um pedido: -Levanta-te. Ele obedeceu imediatamente. - Rasteja. Para meu espanto, obedeceu-me. -Faz de cão. Pôs-se de gatas e arfou, gatinhando com a língua de fora. Lá bem no fundo gostaria mesmo era que ele me tratasse como um pai e tocasse sem repugnância no olhar mas não sentia-me capaz de ordenar-lhe tal coisa .Sentindo-me frustrado com aquela estranha siruação, dizendo sem pensar. -Vai-te matar! Olhando-me num estado de alerta, olhou para trás e começou a correr. Corri atrás dele para ver o que ele pretendia fazer, mas não fui suficientemente rápido para impedir o que se passou a seguir: Doug atirou-se sem pensar duas vezes para um fosso cheio de metal retorcido e afiado. Gritando de horror,vi-o estendido num ângulo estranho com o seu corpo robusto trespassado por vários pedaços de metal. Nada daquilo parecia-me real, pelo que permaneci um bom bocado a fitá-lo lá do alto num estado de torpor horrorizado. Quando recuperei o suficiente para raciocinar como devia ser, apercebi-me que era livre e poderia dirigir-me aonde quer que fosse. Entrei na carrinha de Doug, rodei a chave e conduzi cuidadosamente naquele terreno pantanoso. Aprendera a conduzir há um par de anos atrás quando pretendia escapar a uma tareia de Doug, cujo motivo já havia esquecido. Sentia-me triste por ter provocado inadvertidamente a morte de um ser humano, por mais deplorável que fosse e limpei com força as lágrimas de arrependimento que inundavam o meu rosto sulcado de sujidade. Fora nesse preciso momento que descobri que perdera algo inerente a todas as crianças: a inocência. Dirigi-me à pequena cidade onde Doug usualmente ia comprar as suas provisões e tentava seduzir algumas mulheres (o seu obectivo era conquistar uma que ficasse em sua casa a limpar a sua sujidade e obedecer a todos os seus caprichos) sem sucesso algum. Ele nunca deixava-me sair da carrinha, não me restando outra alternativa senão olhar pelo vidro da carrinha cuidadosamente trancada. Invejava secretamente as crianças bem vestidas e alimentadas que eram conduzidas pela mão de seus pais e ostentavam um ar satisfeito.Sentia o estômago a roncar de fome e náuseas devido ao calor. Entrei numa loja e cobicei com o olhar uns pãozinhos com chouriço que fizeram-me salivar. Queria tanto comê-los. Subitamente os pães foram retirados da montra e uma mão estendeu-mos. Ergui a cabeça e encontrei o olhar de um homem na casa dos sessenta com ar duro mas que olhava-me com uma ternura que rasava a adoração. Com lágrimas nos olhos aceitei os pães e devorei-os, enchendo o chão de migalhas. Uma mulher apressou-se a varrer o chão e atrevi-me a sentar-me numa mesa ao fundo da loja. Estava com sede. Segundos depois após formular o desejo inconsciente, o homem que oferecera-me os pães trouxe-me uma limonada e pouco depois uma taça cheia de gelado de chocolate com baunilha. Enquanto devorava tudo fui reflectindo em tudo o que tinha acontecido naquele dia e olhei lá para fora, contemplando a vista inundada pela luz do sol. Toda aquela gente que passava na rua poderia vir a obedecer-me e aadorar-me, tratando-me como um rei. Segundo me parecia, poderia formular um desejo e este seria imediatamente atendido. Que mais poderia eu querer? Ainda custava-me acreditar em toda aquela sorte, pois desde cedo aprendera que tudo tinha um preço. Um beijo exigiria uma bofetada, um presente era cobrado tempos depois, um tempo ameno terminaria em tempestade. Contudo a minha mente de criança não conseguia abranger toda a complexidade que o mundo exigia e limitava-me a pensar nas trivialidades que a minha inexperiêcia reconhecia. Naquela mesma noite fui acolhido por um casal que tinha uma bonita casa e um bebé com apenas uns três meses de vida. Vestiram-me, alimentaram-me e fizeram-me todas as vontades. Contudo, a criança não deixava-me dormir e desejei que o bebé se calasse. No dia seguinte os pais foram ao seu berço e constataram que o recém-nascido não emitia nenhum som, como se tivesse ficado mudo. Bem, pelo menos ele não choraria mais. Quando cansei-me daquela família, escolhi uma família bastante abastada que descobri numa ouriversaria e fiquei a viver lá durante bastante tempo. Passaram-se apenas uns dez dias e, num dia em que provava um fato novo ao espelho, fitei o meu reflexo e cheguei à conclusão de que deixara de ser eu próprio, transformando-me num menino mimado que crescera demasiado, engordara e parecia três anos mais velho que o miúdo franzino que fora há alguns dias. A puberdade acabou por chegar inevitavelmente e a minha mente passou a focar-se demasiado nas raparigas. Apeteceu-me ingressar num colégio misto e lá descobri as maravilhas do amor livre, conquistando e quebrando muitos corações. Conheci a Europa e adquiri vários items que se encontravam expostos em museus conceituados (inclusive o quadro de Mona Lisa, cálices de ouro que perteceram outrora a bispos ou espadas medievais); visitei a Ásia e fui adorado por monges budistas; passei pela rússia e obriguei os seus habitantes a vestirem apenas vestuário proveniente do Iraque, e até atrevi-me a apropriar-me de alguns castelos na Escócia. Alguns deles eram assombrados e senti receio no início dos espíritos que por lá vagueavam mas cedo consegui fazê-los vergarem-se á minha vontade. Foi justamente na bela cidade de Edimburgo que conheci uma bela jovem mais ou menos da minha idade que cedo me fascinou com a sua beleza pálida e frágil, plena de feminilidade. Estava encantado e tinha de tê-la. Ela frequentava uma escola humilde e vivia numa casa um pouco longe, pelo que abordei-a um dia e ofereci-me para dar-lhe boleia no meu Jaguar com um motorista subserviente. Ela recusou educadamente, o que muito espantou-me. Optei por segui-la e insisti nos restantes dias até que ela acabou por aceitar boleia. Apesar de tentar ser encantador, ela não olhava-me da forma que os outros olhavam-me, Parecia recear-me, o que enervou-me profundamente e envergonhou-me ao mesmo tempo. - Porque me olhas assim? - perguntei-lhe uma vez quando ela não retribuíu o meu olhar sedutor. - Tens algo tenebroso à tua volta. As sombras envolvem-te - respondeu-me ela, desviando o olhar para a paisagem para lá da janela do automóvel. Senti-me ultrajado, diminuído. Ó Emily, porque tinhas de ser tão superior a toda aquela gente mesquinhamente humana?! Porque tiveste de desafiar a minha imatura influência? Quebraste o meu coração para semprte numa época em que o mundo inteiro se rendeu aos meus pés. Para quê tanto poder se ela não me amava? Para mim amor era saber retribuir o afecto, independentemente da falta de fescínio por quem amava. Sentia-me frustrado pela indiferença de Emily e optei por tentar esquecê-la. Contudo tudo parecia estar a acontecer tão depressa. Há cerca de três semanas era um miúdo miserável e agora já governava o mundo inteiro e amadurecera fisicamente de uma forma estranhamente rápida. A ampulheta do tempo esvaziava-se de forma alarmantemente veloz e o meu corpo envelhecia a olhos vistos. Os meus novos pais elogiavam-me por estar tão crescido, indiferentes ao que realmente se passava. Eu não queria crescer assim! Queria ser criança. Optei por passar a viver em Itália durante uns tempos e visitei os locais mais emblemáticos, passando por Roma e alterando muitas ideias do Vaticano; apropriei-me do Coliseu de Roma e passei a tomar as minhas refeições nos melhores restaurantes italianos. Apesar de controlar tanta coisa, sentia que à minha volta tudo parecia estranhamente caótico, artificial. Eu era um deus na Terra, mas o universo não dobrava-se à minha vontade, nem quando quis que a lua fosse minha. Cheguei a lá ir um dia e plantei a bandeira do Canadá (apesar de tudo a minha pátria) mas mesmo assim não senti que tudo aquilo era meu. Para cúmulo dos meus desejos, continuava obcecado e fascinado por Emily. Ela pura e simplesmente não me saía da cabeça! Ainda passei algum tempo em Itália e retirei muito poder ao próprio Vaticano e submeti o Papa à minha vontade, fazendo-o aparecer nos meios de comunicação social em situações muito pouco dignas, como por exemplo servindo-me à sua mesa. Consegui terminar com muitas guerras e conflitos e até com o terrorismo mas não deixei de sentir-me insatisfeito. Com toda aquela paz o mundo parecia uma anedota, um brinquedo nas minhas mãos. Era demasiado para mim. Por mais que eu tivesse, continuava a faltar-me algo. O mundo inteiro idolatrava-me mas era uma devoção forçada, insignificante em comparação com o amor humano verdadeiro. Eu queria apenas uma coisa: queria aquela jovem que tanto me seduzia com os seus grandes olhos escuros e honestos. Passara-se quase um mês e sentia-me velho, o meu corpo transformado num adulto de quase trinta anos. E continuava ainda a envelhecer, apesar de ser atraente. Quando voltei à Escócia, abordei Emily e ela não reconheceu-me. Contei-lhe o que se passara mas ela tomou-me por um pedófilo louco. Convidei-a a viajar comigo e até cheguei a pedi-la em casamento! As coisas estavam mesmo fora de controlo, a ponto de ter acabado por raptar a minha amada. Dei-lhe tudo o que tinha, tratei-a como uma rainha e aprisionei-a nos meus domínios, mas ela só chorava, asustada e infeliz. Uma vez quase tentei violá-la mas consegui conter-me, esbofeteei-a e não consegui suportar mais aquele olhar de puro ódio nos seus olhos. Cego de ódio e frustração, empurrei-a e não medi a força com que o fiz. Quando dei por mim apercebi-me que Emily caíra da janela abaixo e encontrava-se esmagada no jardim lá em baixo, o seu corpo coberto de pétalas de rosas brancas. Gritei e chorei como uma criança, sentindo-me o ser mais desgraçado do mundo. Quis retirar o anel mas ele continuava preso ao meu dedo, cada vez mais cintilante, absorvendo a minha vitalidade. Eu sabia que tudo tinha um preço, troca por troca. Fui à cozinha, muni-me de uma faca cortante com intuito de cortar o meu dedo de vez mas lembrei-me a tempo de remediar todo o mal que fiz. Passara-se um mês após ter conseguido o anel (trinta dias de tirania) e estava na hora de acabar com aquilo. Abdicando do sono, ocupei-me a refazer tudo o que destruíra durante todo aquele dia e mesmo assim algumas coisas tiveram de ficar inalteradas, tal como a torre de Pisa que endireitara e a Estátua da Liberdade que agora envergava um vestido muito curto. Quando terminei estava doente, febril de tão exausto e precisava de afastar-me de tudo para não enlouquecer. Quando cortei o mal pela raíz (neste caso o meu dedo), atirei o maldito anel para a sanita e premi o botão do autoclismo. Suturaram-me o dedo amputado no hospital e fugi do quarto onde recuperava. Passaram-se dois meses e o processo de envelhecimento foi interrompido. Estou a viver num casebre na Escócia, bem longe da civilização, numa montanha e apenas desejo que aquele maldito anel não seja encontrado. Que o mundo continue como está, imperfeito e cheio de pessoas frustradas, afortunadas por não saberem o preço de governar o mundo. O mundo não é de ninguém, apenas dele próprio, o ventre que nos acolhe, apesar da nossa ridícula tendência para a imperfeição. - FIM -