Desafio Escrever um Conto Janeiro de 2010 www.portugalparanormal.com Viagem No Tempo por Templa Tenzin tinha oito anos quando, numa viagem à montanha, se perdeu da mãe, ao seguir o seu cão num caminho cheio de pedras, findo o qual o animal desapareceu sem deixar rasto. Depois de chamar o amigo inúmeras vezes, sentou-se numa pedra sem saber o que fazer. Sentia-se sozinho, sem a mãe por perto para o animar e sem fazer a mínima ideia de como voltar para casa. Ainda mais, sem o Zimpé, e sem saber como justificar a ausência do cachorro junto da família. Hoje, iria passar-se algo estranho, sentia. Pelas sombras da montanha, deviam ser três da tarde. Sempre ouvira dizer que a essa hora se dava a abertura entre mundos, embora, como menino de carne e osso, não fizesse grande ideia de que mundos seriam esses e quem os povoava. De corpo franzino, deitou-se sobre a rocha, de barriga para o céu, cerrando as pálpebras. Precisava de ajuda divina, ele que desde o nascimento procurava Deus, fosse Ele quem fosse, talvez diferente em cada lugar do universo e à medida de cada menino. De olhos fechados rezou, na esperança de que as portas dos outros mundos não se abrissem antes de ele encontrar o caminho de regresso. Nunca tinha estado naquele lugar, que lhe parecia horrível, enquanto uma ponta de frio o invadia dos pés à cabeça. Quando abriu os olhos olhou para o alto, onde há pouco o Sol se espreguiçava montanha abaixo e, no lugar dele, estava agora um imenso buraco negro, ao mesmo tempo que sentiu uma energia em espiral, que o puxava para si e o fazia rodopiar a uma velocidade superior à da luz, deixando-o completamente tonto. Acordou com Zimpé a lamber-lhe as mãos com suavidade, ao mesmo tempo que o cão não lhe parecia o seu cão, nem ele se sentia Tenzin, um miúdo de oito anos perdido da mãe. Parecia mais crescido, com penugem nas pernas, nos braços, e a cara só estava macia porque tinha a sensação de se ter barbeado há pouco tempo, com a lâmina ancestral do avô que lhe fora deixada como herança. Era como se se tivessem passado anos, desde que o buraco negro o envolvera na sua energia e o tinha aspirado abruptamente. Ao olhar em redor, levantando os braços para o céu, verificou que estava numa espécie de bolha transparente, de onde poderia ver tudo em que pensasse. Percebeu que o seu pensamento era uma espécie de chave capaz de abrir todas as portas do universo longínquo. Além disso, era como se tivesse voltado ao ventre da mãe e tivesse plena consciência de todos os passos do mundo em que iria nascer. Era isso que acontecia, conhecia-se tudo, antes do guardião designado para cada um colocar o dedo no nariz do nascituro, recomendando-lhe silêncio eterno da sua sabedoria cósmica. Pensou na mãe, preocupada pelo seu súbito desaparecimento, e logo a viu na montanha, sentada numa gruta, mumificada e sem vida aparente. Mas, por outro lado, mais viva e bonita do que antes, puxou-lhe as orelhas por ele não respeitar o espírito sagrado da montanha, aventurando-se por lugares proibidos aos homens e aonde só iam os iluminados. A confusão de Tenzin, depois de reconfortado pela presença e palavras maternas, começou a dissipar-se. Agradeceu por lhe ter sido concedido o privilégio de viajar no tempo, enquanto passado e futuro se concentravam num único instante, como se a vida, doravante (até nem a palavra era coerente) não fosse senão um eterno pretérito prefeito e tudo quanto acabava de conhecer fizesse já parte dele. Da bolha transparente onde fora cair, à medida que pensava nas coisas e olhava à sua volta, via as pessoas como se cada uma fosse uma eterna sequência de fotografias, das quais persistiam os negativos e positivos simultaneamente. Havia mais de uns do que de outros. As fotos reveladas existiam em muito menor número e, tal como acabava de ter conhecimento, correspondiam à vida física, à de carne e osso, tal como a sua e quando, com o Zimpé, o seu cão, não tinha resvalado para aquela outra dimensão, da qual agora conhecia alguns segredos. Tenzin, imbuído de novo do espírito da montanha sagrada, pensou no seu Deus, no seu Buda, o último tabu do universo, e aproveitou para lhe perguntar a razão de tudo aquilo. Quis saber se ele e o seu cão eram, ou estavam, vivos, ou mortos, porque agora não lhe parecia haver diferença nenhuma entre uma coisa e outra. Foi quando a bolha se iluminou ainda mais e o seu Deus respondeu numa voz calma e serena: - Entraste num buraco do tempo idêntico àquele para onde vão os que morrem, de onde podes ver tudo no mesmo instante. Porém, continuas vivo… Aqui só está a tua dimensão etérea. Se estivesses unido ao teu corpo, estarias morto para o Planeta Terra e terias entrado, uno e inteiro, numa dimensão semelhante à do Triângulo das Bermudas, onde a matéria se reduz a nada… Mas, anda depressa!... Tu e o teu cão têm de regressar… E segredou-lhe algo… Quando Tenzin acordou, avistou a mãe ao longe, enquanto se dirigia para o velho mosteiro budista. Depois de ele ter sentido no nariz o dedo do seu guardião e a velha recomendação, uma lembrança persistia: ele seria o próximo Dalai Lama da grande família tibetana. - FIM -