Desafio Escrever um Conto Janeiro de 2010 www.portugalparanormal.com Viagem No Tempo por Margarida Elevo-me no alto do laranja rosado, manchado em tufos brancos e em massas cinzentas, torneados de pontos brilhantes e cintilantes neste meu azul água mesclado em azul-escuro tocando suavemente nos cristalinos verdes desta minha natureza. Vou beijando ondas de amarelos escaldantes que me aquecem a alma enquanto me deito em tufos de tapetes multicolores soltando nas atmosferas que me rodeiam doces aromas dispersos em marés frescas e transparentes. Liberto o pensamento para fazer uma viagem no tempo. Acordo cansada, com uma tristeza na alma, na pele como se o mundo tivesse tido o capricho de se pendurar nas minhas costas, às minhas cavalitas. Tenho as pernas a fraquejar, cada uma delas parece pesar uma tonelada e o chão onde tento a todo o custo pisar com um passo de cada vez, é neste momento um tremendo pântano de areias movediças. Já na casa de banho olho-me ao espelho e assusto-me! Quem é aquela figura terrivelmente magra? Cadavérica? Abano a cabeça e olho-me de novo. Que horror! Como estou gorda tão gorda, obesa uma autêntica baleia fora de água. Não me olho mais! Não me apetece vestir, mas tenho de sair. Pego numas peças de roupa ao calhas e quero lá saber se estão a condizer ou não. Estou vestida o que importa o resto? Chego à rua respiro fundo e dou os primeiros passos mas rapidamente sinto-me desconfortável sem saber para onde ir, o que fazer sinto-me uma alma penada perdida no tempo e no contexto da vida. Vou visitar um amigo! Espero que esteja em casa. Sem demora apanho o metro e lá vou eu de estação em estação naquele comboio toupeira rompendo abaixo do chão, mas falta-me o ar! Começo a suar frio, a sentir calafrios na espinha, socorro estou a sufocar, quero sair daqui! Por favor deixem-me sair! Mal as portas da carruagem se abrem na estação seguinte corro dali para fora aos encontrões a tudo e a todos correndo desesperadamente como se fugisse apavorada com medo da minha própria vida. Ar puro, finalmente a rua! Não me importa se chove a cântaros, apenas me arrasto rua fora pelo meio da multidão. Realmente a rua está apinhada de pessoas, mais parecendo uma manifestação de gente, de repente no meio de todos eles, sinto-me enorme gigantesca e todas as pessoas que me rodeavam mais parecem pequenos insectos. Começo a sentir nojo, que horror acho que me vão devorar viva, tenho de fugir! Saiam, saiam da frente! Deixem-me em paz, deixem-me passar! Uma pastelaria, encontro uma pastelaria aberta entro e sento-me. finalmente um pouco de tranquilidade. Peço um café e um copo de água que bebo com sofreguidão, hum sabe bem este gosto amargo do café que maravilha! Enquanto bebo o café olho em redor e vejo gente nova e velha, olham para mim, sinto-me como se estivesse em frente de um batalhão de fuzilamento. Apetece-me gritar! Mantenho a pouca calma que me resta mas continuam a olhar-me falam baixinho, riem-se, e sinto-me o alvo das suas troças dos seus sorrisos cínicos dos seus olhares incriminadores acusadores, estou exposta como se tivesse milhões de dedos acusadores e rostos inquisidores, estou zonza, perco as forças, acho que vou desmaiar! Tombo para o lado mas a escassos centímetros do chão recupero um pouco a força, os olhos perdem a névoa e vejo a tijoleira como se tratasse de um monstro horrível. Levanto-me o mais depressa possível com um pavor tremendo, com um pânico danado mas tentando manter uma certa compostura. Pego no telemóvel e ligo a todos os amigos, peço ajuda, dou o meu grito de socorro, de clemência, mas ninguém está disponível, estão todos muito ocupados, quem é que quer saber de alguém fútil que não sabe dar valor ao que tem de bom na vida? Ninguém me entende! Estou sozinha vou-me embora para casa! Meto a chave à porta e finalmente estou confortável, a minha casa! Vou descansar mas depressa me canso de estar quieta, tenho tanta coisa para fazer limpar a casa, tratar da roupa, fazer a comida! Levanto-me decidida a fazer tudo, deixar tudo a brilhar como se tivesse passado um furacão e deixasse tudo impecavelmente perfeito. Assim que chego a outra divisão da casa olho em redor e não sei mais o que fazer onde começar, as forças começam a abandonar-me e sem mais nem menos volto as costas e vou-me deitar outra vez. Só por um dia não faz mal! Amanhã consigo! E tem sido assim dia para dia, semana a semana, talvez meses, perdi a noção do tempo. Vou comer, tenho fome! Nem sei o que comer não me apetece nada mas como, como o que estiver à mão quero lá saber da linha ou da elegância... Amanhã quando me olhar no espelho caio em mim e vejo como aumento de volume e como me sinto desesperada com a imagem na minha frente reflectida no espelho recusando-me a acreditar que aquele corpo seja o meu, como se estivesse presa no corpo de outra pessoa que pura e simplesmente desprezo e abomino. Preciso de falar com alguém! Procuro ajuda nos membros de família expondo as minhas mágoas tentando desabafar tentando libertar a alma, mas oiço recriminações, acusações de pobre e mal agradecida, com quem andei para me deixarem assim, que reze! Deus castiga quem se comporta assim. Não suporto mais! Quero morrer! Ai meu Deus que eu caio... e caio mesmo, na mais profunda depressão! Mais um vez acordo, não em contacto com mundos ou vidas distantes, mas em tempo real, num apartamento de uma zona dormitória dos arredores da capital, com as minhas crianças, meus filhos verdadeiros, em grande algazarra, em brincadeiras mil. Durante toda esta minha viagem no tempo escrevi a história de uma depressão num caderno, que tonta que sou. Tenho mesmo de voltar ao meu tempo actual, colocar o jantar sobre a mesa e conviver, viver esta vida junto dos que me amam! - FIM -